Publicado originalmente no site Gazeta do Povo, em 16/03/2014
Em Atenas, vive o último pintor de cartazes de cinema
Por Liz Alderman
Vasilis Dimitriou pinta cartazes para o teatro Athinaion,
em Atenas, há mais de 40 anos
O rosto de Leonardo DiCaprio brilhava, triunfal, de um
grande outdoor no alto do velho cinema Athinaion, onde “O Lobo de Wall Street”
estava em cartaz. Vasilis Dimitriou tinha pintado o ator em tamanho maior que o
natural.
A aparência do outdoor era de pôster de cinema à moda
antiga, imbuindo DiCaprio de um glamour que lembrava o de Humphrey Bogart, anos
atrás.
Dimitriou tem 78 anos e nunca conheceu pessoalmente um astro
ou estrela de Hollywood, mas já pintou milhares. Quase todas as semanas desde
que completou 15 anos, ele vem pintando nomes lendários da tela grande em cenas
oníricas de amor, ódio, orgulho ou tentação —muitas vezes com habilidade, às
vezes não, mas sempre com muita verve.
Hoje ele é o derradeiro pintor de pôsteres de cinema na
Grécia e faz parte de apenas um punhado que ainda restam na Europa. Quando o
cinema mudo começou a fazer sucesso, na década de 1920, os estúdios de
Hollywood contrataram artistas gráficos para transmitir o glamour e a emoção
dos novos lançamentos. Mas, numa era de impressão em massa, a prática
praticamente desapareceu.
“A pintura está sempre presente em minha cabeça”, disse
Dimitriou em seu ateliê. “Quando termino um pôster e o exponho no cinema, é
emocionante saber que as pessoas o verão e sentirão um pouco da magia.”
Sua mão esquerda está enrijecida pelo mal de Parkinson —para
os médicos, é fruto de um breve período passado na juventude como boxeador. Ele
já não tem a mesma facilidade de antes para subir as escadas para pintar no
alto. Mas Dimitriou não se deixa desanimar.
Os atenienses de todas as idades conhecem seu trabalho.
George Athanasopoulous, 50, diz que há algo de estilizado e nostálgico nos
cartazes pintados e se recorda de ficar fascinado por eles quando era criança.
Hoje em dia, ele explicou, “existe uma mesmice em tudo. Mas o que ele
[Dimitriou] faz é muito especial.”
A programação diária de Dimitriou é cansativa. Cada pôster
leva de três a quatro dias para ser concluído, e ele pinta um a dois por semana
para o Athinaion, cinema para o qual trabalha há mais de 40 anos e que é o
último de Atenas a rejeitar os pôsteres fotográficos.
Trajando blusa preta e boina de lã, ele andava de um lado a
outro em seu pequeno espaço de trabalho, uma construção de gesso com uma parede
feita nas dimensões exatas dos outdoors do Athinaion.
Um álbum de recortes estava repleto de fotos de seus
trabalhos. “O Exorcista”, pintado em “chiaroscuro” sinistro, com sangue
escorrendo pelas letras gregas do título. “Lolita”, com Dominique Swain
pré-púbere deitada sobre a grama em um vestido molhado, com o dedão do pé
apontado para o alto. “Ali”, com o rosto de Will Smith pugilista tenso como o
de um touro.
Dimitriou cresceu pobre em Kypseli, subúrbio de Atenas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, seu pai com frequência estava ausente,
combatendo na resistência grega contra o Exército nazista. Para passar o tempo,
o jovem Dimitriou começou a desenhar, e então a paixão pela arte tomou conta
dele. Sem dinheiro para comprar lápis ou papel, ele roubava giz e fazia
desenhos nas calçadas.
Então a guerra atropelou seus sonhos. Dimitriou se refugiou
nos desenhos. Sem um tostão no bolso, ele e seus amigos subiam em árvores ao
lado de um cinema ao ar livre para assistir de longe aos lançamentos mais
recentes. Uma noite o gerente do cinema os perseguiu, e Dimitriou se escondeu
no próprio cinema, onde o projecionista sugeriu que ele se oferecesse para
trabalhar de graça, em troca da permissão para assistir aos filmes.
O gerente não demorou a observar o talento de Dimitriou para
o desenho e pediu que ele tentasse pintar cartazes de cinema. “Eu interpretava
as cenas à minha própria maneira”, recordou. Com o tempo, dez cinemas acabaram
por encomendar seus trabalhos.
Para Dimitriou, aquela foi a era de ouro do cinema. “Naquela
época as pessoas iam ao cinema de terno e gravata. As mulheres usavam vestidos
belos. Havia um intervalo, e metade do público ia ao foyer para tomar um
drinque e comentar o filme. Hoje não há mais nada disso.”
No mês passado, Dimitriou prendeu uma tela à parede de seu
ateliê e desenhou uma montagem para “Um Conto do Destino”, com Jessica Brown
Findlay. Para produzir tintas que não se desmanchassem sob a chuva, ferveu cola
num fogão improvisado e acrescentou pigmentos em pó: amarelo cromo, vermelho,
azul e turquesa.
Ele trabalhou silenciosa e metodicamente, subindo uma escada
e se apoiando em banquinhos baixos enquanto percorria a tela. Quando ela ficou
pronta, Dimitriou foi até o Athinaion de carro com seu genro para prender o
pôster na marquise. Um homem se aproximou e o abraçou, dizendo “sou fã do
senhor”.
Mais tarde, de volta ao ateliê, Dimitriou soltou um suspiro.
O reconhecimento é gratificante. Mas, disse ele, “não é bom saber que esta arte
está morrendo.”
Texto e imagens reproduzidos do site: gazetadopovo.com.br
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