sábado, 15 de junho de 2019

As últimas videolocadoras à moda antiga de São Paulo

Pereira, da Vídeo Connection: “Faço o que faço por paixão”
Reinaldo Canato/Veja SP

Publicado originalmente no site da revista VEJA SÃO PAULO, em 28/04/2017

As últimas videolocadoras à moda antiga de São Paulo

Após a derrocada desse tipo de negócio, alguns estabelecimentos resistem ao tempo e atraem cinéfilos nostálgicos

Por Carolina Giovanelli

Esquadrinhar as prateleiras por meia hora em busca do filme ideal. Descobrir que todas as cópias do último lançamento já foram locadas. Bater um papo com algum funcionário cinéfilo para obter indicações. No caixa, tentar lembrar de cor o número de sua carteirinha. Pagar multa porque não deu para ver tudo no prazo ou, nos tempos do VHS, esqueceu de rebobinar a fita.

Antes tão comuns, as idas à videolocadora tornaram-se programa praticamente do passado. Após o quase desaparecimento desse tipo de negócio, ainda há endereços que resistem ao tempo e fazem a alegria da turma nostálgica.
  
Muitos dos empreendimentos remanescentes, porém, tomam hoje o cinema como coadjuvante. Depois da compra da marca Blockbuster, parte da Lojas Americanas, por exemplo, conta com o serviço, mas de modo acanhado, em meio a um mundaréu de outros produtos.

Entre as poucas videolocadoras à moda antiga por aqui, aparece a Vídeo Connection, instalada no térreo do Edifício Copan, no centro. Muita gente que não costuma frequentar o pedaço passa por lá como se deparasse com uma joia rara. Dia sim e outro também, o sócio Paulo Sérgio Baptista Pereira ouve interjeições de saudade ou espanto — há criança que nem sabe para que serve o lugar.

De seus 60 anos, 32 são dedicados ao imóvel de 50 metros quadrados, distribuídos em três pequenos andares. Nos tempos áureos, na virada dos anos 90 para os 2000, eram locados até 4 000 filmes por mês. Hoje, são aproximadamente 750.

“Faço o que faço por paixão, não para ficar rico”, afirma Pereira, que assiste a pelo menos quatro produções por semana e tem dicas do que ver na ponta da língua. Em um discreto ato de resistência, ele não tem em casa nem TV a cabo nem Netflix, alguns dos pivôs da derrocada do mercado.

Petruche, no Charada: 880 filmes alugados em um só dia nos tempos áureos 
Foto: Ricardo D'Angelo/Veja SP

O empresário chegou a empregar cinco funcionários. Agora, cuidam do espaço somente ele e a filha, a psicóloga Daniela. Faturam por mês cerca de 6 000 reais, ante os mais de 20 000 reais do passado. A clientela é formada principalmente por moradores do complexo e dos arredores. Mas existem interessados que se deslocam de outros bairros apenas para aproveitar a experiência das antigas.

Outra referência no mercado é Gilberto Petruche, de 61 anos. Desde 1995, o paulistano toca o Charada Clube, na região de Sapopemba, na Zona Leste. Trabalha com uma variedade de 17 000 títulos em DVD, Blu-ray e VHS. Assim como a Vídeo Connection, seu negócio costuma dar um prazo mais flexível às devoluções.

A fim de movimentar o espaço, promove há um ano shows de rock de bandas independentes — o próximo será em 13 de maio. Os grupos ocupam a sala de produções pornôs (hoje, “escondidas” em pastas) e reúnem até 200 pessoas durante o dia. As vendas de discos de vinil e de parte do acervo de filmes ajudam a reforçar o orçamento.

Entre as raridades, está a fita Amor Estranho Amor (1982), longa em que Xuxa aparece em uma cena picante com um adolescente. Petruche avalia a pérola em 5 000 reais, mas, por enquanto, não quer abrir mão dela. Há um ano, o proprietário amarga prejuízos. “Houve uma época em que entravam 35 000 reais por mês, e já aluguei 880 filmes em um só dia”, lembra ele, que chegou a comprar 55 cópias de Titanic. “Atualmente, ganho 2 000 reais, que são gastos com aluguel e outras despesas. Estou na UTI.”

As videolocadoras perderam a força principalmente por causa da pirataria, da TV a cabo e dos serviços especializados na internet, como a Netflix. Até as grandes redes se renderam à crise. Especializada em títulos cult, a 2001 Vídeo fechou as portas em 2015. Hoje, atua apenas no papel de e-commerce.

Em junho, estreia o documentário CineMagia — A História das Videolocadoras de São Paulo, que relembra a trajetória desses pontos desde seu surgimento na cidade, nos anos 70. Filmado a partir de 2014, durante dois anos, ele capturou o último suspiro de algumas cadeias. “Foi tudo muito rápido”, diz o diretor, Alan Oliveira. Neste ano, o cineasta pretende também lançar um livro e uma websérie com as dezenas de depoimentos coletados.

Texto e imagens reproduzidos do site: vejasp.abril.com.br

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