VistaVision, alta fidelidade no cinema
Por Paulo Roberto Elias
Filmes em VistaVision, a grande maioria em processo de restauração
ou preservação, podem formar a base de referência fotográfica, para a avaliação
de qualquer tela que seja usada para a exibição de home vídeo, particularmente
aquelas com capacidade de alta resolução ou definição.
Na década de 1950, enquanto estúdios como a Fox ou a Warner
procuravam respostas para a inovação cinematográfica em fotografia anamórfica e
telas super largas, a Paramount Pictures caminhou em direção oposta, criando um
processo “widescreen”, porém sem sacrificar a área fotográfica do filme 35 mm,
com distorções óticas de qualquer natureza.
Na época em que os cinemas começaram a instalar telas
panorâmicas, o filme tradicionalmente fotografado na relação de aspecto chamada
de “academy ratio” (1.375:1) teve que ser cortado na janela do projetor para
formatos como 1.66:1 ou até 1.85:1.
Foi a partir daí que os executivos e técnicos da Paramount
começaram a desenvolver a idéia da fotografia widescreen plana (conceito,
aliás, usado até hoje nas telas 16:9 de TV), com a vantagem precípua de poder
usar lentes esféricas de altíssima resolução e capazes de uma profundidade de
foco admirável.
Para conseguir isso, foi preciso fazer uma mudança radical
no processo de filmagem, de maneira a aproveitar o máximo de área fotográfica
possível no filme 35 mm.
Nas câmeras e projetores convencionais, o filme roda
verticalmente de cima para baixo, limitando a área de exposição para quatro
perfurações. No processo fotográfico da Paramount, o filme roda
horizontalmente, o que permite o uso de uma área equivalente a oito
perfurações, ou seja, 2.66 vezes maior que o negativo 35 mm convencional:
O processo foi chamado de “VistaVision”. As primeiras
câmeras foram construídas com lentes Leica de altíssima qualidade, e podiam
tanto servir para áreas de exposição e posteriormente de exibição que variam
entre 1.85:1 e 1.66:1, e também 2.1:1, 1.75:1 ou 1.77:1, que é a atual área
16:9 das telas de televisão. Mais importante ainda, é que a projeção
VistaVision com o projetor rodando o filme lateralmente, era capaz de permitir
o uso de telas com enorme altura e área de exposição.
O VistaVision é um processo fotográfico tão apurado, que a
própria Paramount o batizou de ?alta fidelidade em filme de cinema?, como
mostram os seus logotipos de apresentação:
O que bloqueou o uso extenso do VistaVision pela Paramount e
outros estúdios foi o alto custo de produção. Além disso, projetores
VistaVision foram instalados em poucos cinemas e apresentaram problemas de
manutenção que desanimaram os exibidores. No Brasil, pelo menos, eu não me
lembro de ter visto ou de ter sabido de nenhum em operação. Com o abandono
desses projetores, a Paramount optou por transferir o negativo VistaVision para
filme 35 mm convencional, que foi a maneira como os filmes foram distribuídos e
exibidos mundialmente.
As produções em VistaVision tiveram, por isso mesmo, uma
curta duração, mas o processo foi ainda usado por vários estúdios no mundo
inteiro. Em 1975, o processo foi ressuscitado, quando a Lucasfilm e a
Industrial Light and Magic modificaram antigas câmeras VistaVision para
fotografar efeitos especiais no filme Star Wars, lançado em 1977. Até hoje,
este tipo de fotografia pode ser visto em efeitos especiais de filmes como
Forrest Gump, The Mummy e muitos outros.
O legado histórico e a preservação dos negativos
O conceito do aumento da área fotográfica no filme 35 mm foi
posteriormente usado em processos como o Super 35 (“The Abyss”, “Titanic”, e
outros), com excelentes resultados. No entanto, o legado artístico, deixado por
vários cineastas, que inovaram em linguagem e processos de filmagem, com foi o
caso de Alfred Hitchcock e John Ford, fez com que o movimento preservacionista
dos estúdios tomasse as rédeas da recuperação dos filmes em VistaVision.
Como o processo em si do VistaVision é ao mesmo tempo
eclético, versátil e de alta performance, em alguns casos os preservacionistas
optaram pela criação de um novo negativo em 65 mm, como foi o caso de
“Vertigo”, de Alfred Hitchcock (no Brasil, “Um Corpo Que Cai”). Com isso, a
integridade fotográfica é mantida intacta, sem a necessidade de um negativo
correndo lateralmente na câmera ou no duplicador.
Transferência do original VistaVision de Vertigo para
negativo de preservação
e positivo de duplicação de 65 mm.
A exposição ao VistaVision é muitíssimo melhor percebida em
alta definição
Verdade seja dita, filmes VistaVision restaurados conseguem
apresentar uma bela imagem em DVD, mas é somente na versão em alta definição
que é possível dimensionar o alto grau de sofisticação alcançado. E, por causa
disso, é preciso alertar o leitor de que este é um dos melhores, senão o
melhor, dos modos de conseguir uma referência de reprodução de imagem, que nos
permita julgar melhor as qualidades intrínsecas dos displays modernos.
E em função deste alerta, eu vou me permitir tomar a
liberdade de sugerir uma edição VistaVision em Blu-Ray prontamente disponível:
é a do filme “The Searchers” (no Brasil, ?Rastros de Ódio?), dirigido por John
Ford, e lançado em 1956, pela Warner Brothers.
O filme de Ford tem características próprias, que o
distinguem de outras produções VistaVision, entre elas a profundidade de foco,
tanto de cenas em interior, quanto de exteriores, no local chamado de Monument
Valley, nos Estados Unidos.
A obra de John Ford, a restauração e a polêmica
John Ford, para quem não conhece, foi um dos cineastas mais
influentes da história do cinema americano. Sua prosa e a sua capacidade de
narrativa visual, com o uso de uma câmera de cinema, raramente encontram
paralelo em outros cineastas do mesmo calibre. Ford, norte-americano de origem
irlandesa, dirigiu um número admirável de filmes, tendo o oeste americano como
fonte de inspiração para um formidável estudo da interação entre o homem e a
terra. Praticamente todos os seus filmes abordam assuntos de ordem social,
paroquiais ou não, e quase sempre com uma forte mensagem moralista ou
religiosa, sem jamais atingir um nível de pieguice ou mau gosto estético.
A narrativa dos filmes de Ford incorpora a visão singular do
cineasta na composição da cena, no enquadramento e na montagem dos planos. Nos
seus filmes, a movimentação da câmera (travelling) é quase nula, mas nem por
isso eles são despojados de dinâmica exemplar. Paradoxalmente, são em cenas
onde a câmera se movimenta que a dramatização da cena aumenta
significativamente. E isto se pode ver claramente em The Searchers.
Ford sabia como ninguém misturar o drama com a comédia.
Adepto de poucos diálogos, e ferrenho defensor da mensagem visual, ele contou
com roteiristas, diretores de fotografia, assistentes e atores capazes de
compreender as suas intenções dentro do set de filmagem. Ford adorava filmar ao
ar livre, e nunca se preocupava com as condições de iluminação do local de
filmagem. Apesar disso, o impacto visual das imagens de seus filmes é de fato
impressionante.
No caso específico da preservação de The Searchers, o
negativo VistaVision se deteriorou a ponto de tornar a produção de uma cópia
nova quase que impossível, não importa que método fosse usado. Foi então que o
time de restauradores da Warner lançou mão das cópias monocromáticas de
segurança, chamadas de ?separation masters?, produzidas à época do filme.
A passagem dessas masters para uma cópia em vídeo gerou
polêmicas entre críticos, cinéfilos e entusiastas. A principal discussão foi
devida à necessidade de ajustar as masters monocromáticas de separação em
colorido consistente com a cópia originalmente exibida no cinema. De fato, esta
tarefa é muito difícil, sem ter uma cópia de exibição que permitisse pelo menos
uma comparação do registro das cores, e como esta cópia não estava disponível,
muito desse trabalho foi feito com parâmetros emprestados de outras cópias de
filmes em Technicolor.
Muita gente pensou que, por se tratar de um filme em
Technicolor, certos tons de cores e o grau de saturação das mesmas devesse
seguir o aspecto do antigo Technicolor de 3 negativos. Quer dizer, exigiram um
azul mais saturado, um tom vermelho nos créditos, em lugar do marrom, e assim
por diante. Porém, The Searchers foi rodado com Technicolor em negativo Eastman
de um só filme, em vez de três.
Inconformados, os críticos tomaram como referência uma cópia
anterior em vídeo, com azul do céu muito mais saturado, mas ficou provado que,
ao mesmo tempo em que se aumentava a saturação do azul, outras cores passavam a
ficar totalmente distorcidas em registro.
Esta polêmica começou muito tempo atrás, e ainda foi
reavivada em 2007, quando a edição em DVD do filme foi lançada no mercado.
Deixando a polêmica de lado, basta dizer que, ao olhar a edição em Blu-Ray
quaisquer dúvidas sobre a recuperação do filme caíram por terra, diante da
beleza e da fidelidade da imagem. O disco foi masterizado em mídia de 50
Gbytes, de modo a garantir que nem a compressão do material gravado pudesse
impedir a qualidade final do trabalho de recuperação e de exibição em telas de
alta resolução.
A percepção da beleza é intrínseca a fatores sociais ou
psicológicos de cada um
Existem estímulos sensoriais que excitam o ser humano de uma
maneira muito específica. A mesma base fisiológica e hormonal que permite
estudar as condições de estresse como doença serve, de certa maneira, para
compreender também porque uma pessoa reage sensorialmente perante a beleza ou à
ausência dela.
Em muitos casos, esta reação é inata. E para pessoas assim,
nem é preciso explicar os motivos pelos quais as emoções tomam conta da razão,
diante de estímulos desta natureza. A pessoa simplesmente é sensível ao
estímulo, seja visual, seja auditivo, ou ambos.
Existe uma quantidade absurda de estímulos visuais e
auditivos no cinema, particularmente no cinema feito por grandes cineastas.
Mas, nem sempre estes estímulos são prontamente compreendidos ou incorporados,
porque freqüentemente a experiência de vida do indivíduo determina o momento
certo para que uma reação emocional deste tipo ocorra.
Isto também explica porque pessoas revisitam filmes e os
compreendem melhor, ou notam coisas nunca antes percebidas, com o passar da
idade.
No caso do cinema, a única forma de re-assistir um filme
seria através da sua cópia em vídeo, e isto justifica a construção de uma
coleção de filmes em casa, assistidos de tempos em tempos.
Finalmente, John Ford: seus filmes, como de muitos outros
cineastas deste nível, são ricos em mensagens subjacentes. No caso, as
mensagens são visuais, muito mais do que pelos diálogos.
Análises precipitadas de suas obras podem induzir erros
grosseiros de interpretação. The Searchers, por exemplo, foi um dia considerado
um filme racista, por causa do ódio do personagem principal, interpretado por
John Wayne. Ford fala, na realidade, dos espíritos que não se desarmam, das
conseqüências de atitudes sem equilíbrio, sem um pingo de racionalidade, e como
isso pode ser revertido por qualquer um. A pista para esta mensagem está na
última cena do filme, quando o personagem resgata e salva a adolescente que ele
teria desejado matar, por ter sido educada por índios.
The Searchers não é o melhor filme de Ford, mas ele espelha
e demonstra as qualidades do cineasta. Visualmente, esteticamente, e na sua
narrativa, não há nada que precisasse acrescentar. Para nós, é uma chance de
revisitá-lo, com a possibilidade de tomá-lo como referência visual, tanto de
cinema quanto de um home theater de qualidade. [Webinsider]
Texto e imagens reproduzidos do site: webinsider.com.br
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