Na foto - Fernando Spencer (1927-2014). Imagem de Hesíodo Goes de 2010
Publicado originalmente no jornal Folha de Pernambuco em 31 de agosto de 2005
Até onde vai o poder da crítica de cinema?
Profissionais da área falam sobre o poder de influência de
uma crítica de cinema.
Por Luiz Joaquim
Há duas semanas, circulou pela imprensa mundial uma
informação de que a Sony Pictures Entertainment havia indenizado um grupo de
cinéfilos dos Estados Unidos com US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 3,5 milhões [em
2005]). O dinheiro, segundo Norman Blumenthal, supria o logro que os cinéfilos
sofreram quando descobriram numa reportagem da revista norte-americana Newsweek
que a Columbia Tristar (do grupo Sony) usava resenhas supostamente escritas por
um crítica inexistente chamado David Manning. As crítica foram usadas pela Sony
para fazer publicidade de alguns filmes e os leitores alegaram estar sendo
induzidos a ver filmes medíocres.
O poder (ou não) de influência da mídia sempre foi um
assunto controverso, em particular o da crítica de arte e, por conseguinte, o
da crítica de cinema. Para saber o quanto a publicação de um texto valorativo
sobre um filme induz o leitor a ir (ou não) ao cinema, o CinemaEscrito procurou
profissionais consagrados de todo o País. Para Inácio Araújo, da Folha de S.
Paulo, o crítico só leva poucos leitores a ver pequenos filmes; ou então fazem
com que muitas pessoas deixem de ver um pequeno filme.
Fernando Spencer, responsável pelas resenhas
cinematográficas do Diário de Pernambuco entre o final dos 1960 até os 1990
concorda com a constatação e lembra que na sua época de crítico publicava
textos elogiosos a diversos filmes alternativos e mesmo assim a frequência era
mínima. “O crítico de cinema sempre teve estigma maldito. Na redação me
perguntavam qual era o pior filme da semana e aí me dizia ah, então é esse que
vou assistir”, recorda Spencer.
Celso Marconi, seu antigo concorrente, no Jornal do
Commercio (Recife), também sofria a mesma brincadeira entre os colegas mas
acredita que hoje o leitor está mais educado e nesse sentido lê a crítica. Para
ele: “O circuito alternativo também não é mais tão fechado como há 20 anos, e o
cinema de boa qualidade é mais divulgado”.
Marcelo Lyra, crítico do jornal Valor Econômico e
colaborador da revista Istoé Gente, acredita que o “boca-a-boca” e a opinião
dos amigos têm uma influência muito grande, “talvez maior que a dos críticos”,
diz ele. João Sampaio, do jornal baiano “A Tarde”, lembra que a crítica não é
uma ciência exata e explica que “mais recentemente, com o estreitamento do
espaço para os textos nos jornais, e em contraposição cada vez mais da oferta
de filmes no mercado, a crítica passou a ser uma espécie de indicação prévia a
subsidiar a decisão do espectador-leitor em investir ou não na compra de um
ingresso”.
Lyra concorda e acredita que o leitor hoje procura
certificar-se que vai fazer a melhor opção: “Em sua maioria, o leitor não tem
tempo ou dinheiro para ver todos os filmes. Assim, até mesmo por sistemas de
cotações, em forma de estrelinhas, bonequinhos ou equivalentes, ele toma sua
decisão. Com o tempo, na base do erro ou acerto, ele vai eleger o crítico em
que confiar”.
Inácio Araújo arremata e diz que infelizmente essa é a
lógica de nossa sociedade, que vive mais da publicidade. Em complemento a esse
raciocínio, Carol Ferreira, que atuou como crítica da Folha de Pernambuco entre
2001 e março de 2004, observa que muitos leitores vão ao cinema para ver “o
novo filme Tom Cruise” e não o novo filme do autor “Spielberg”, citando Guerra
dos mundos.
O crítico da revista Época, Cléber Eduardo, ressalta que
filmes arrasa-quarteirão e de médio porte da indústria norte-americana já
trabalham a mídia e impressa dessas obras antes mesmo do roteiro ser finalizado
ou as filmagens iniciadas. “A crítica interfere mais em filmes de pouca
visibilidade, que tem tímida campanha de marketing. Você sabe o que Kiarostami
e Godard vão fazer daqui a 12 meses? Dificilmente, mas certamente sobre o novo
projeto de Spielberg e Peter Jackson”.
O economista Wilson Grimaldi sempre lê algo sobre a obra
antes de ir ao cinema, mas não segue à risca o que diz a crítica: “Não me guio
pelo que escrevem Vou atrás do meu gosto. Cinema hoje em dia é uma diversão
cara e deve escolher bem antes de ir”, confessa. Já a universitária Mariana
Rabelo acredita nos críticos na maioria das vezes. “O profissional tem de
aguçar minha curiosidade e não só dizer que os efeitos são bons, me prender na
história, se não, nem ligo”, reflete.
Alexandre Figueirôa, 2005
FILMES PEQUENOS PRECISAM DA CRÍTICA – O professor Alexandre
Figueirôa, crítico do Jornal do Commercio (Recife) entre 1991 e 1995, lembra
que nos Estados Unidos o desempenho na bilheteria rege boa parte dos
comentários da crítica. “Acredito que no Brasil, uma crítica favorável pode
ajudar um filme brasileiro e uma desfavorável também pode influir
negativamente, desde que esse filme não tenha um superlançamento com trabalho
de marketing proporcional”.
Carol Ferreira diz ainda que, possivelmente, o folclórico
descrédito que o leitor alimenta contra o crítico tenha relação com o fato de
que são poucos os profissionais de referência e credibilidade no mundo inteiro.
De qualquer forma, Cléber Eduardo ressalta que o trabalho da crítica não pode
ser relegado. Ele diz que filmes com lançamentos discretos, mas não menos
importantes, como The brown bunny, de Vincent Galo, Nossa música, de Godard, ou
Dez, de Kiarostami, só para citar três, precisam de críticas boas, ou melhor,
ótimas.
“Esses filmes sofrem o estigma de que é programa cabeça, com
imagens paradonas. Todos esses preconceitos que persistem e funcionam como
empecilho para o espectador entender o porquê é paradão, silencioso e
reflexivo”, diz Eduardo.
Essa função do crítico está num conceito formulado por João
Sampaio sobre a crítica de cinema. “A primeira função é estabelecer parâmetros
e dar subsídios para o leitor possa avançar na sua leitura de um determinado
filme, permitindo que um novo diálogo se estabeleça, além daquele que já ocorre
na sala escura, quando o então espectador decodifica e interpreta o discurso
forjado pelas imagens que vê na tela”, concluiu.
Texto e imagens reproduzidos do site: cinemaescrito.com
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