Projeto Cinema no Beco: toda quinta-feira, cerca de 50 crianças assistem a filme
ou animação com a natureza como pano de fundo
Foto: Urbano Erbiste/Extra
Publicado originalmente no site do Jornal Extra, em 22 de abril de 2015
Morador da Maré coleta óleo usado, vende e, com a renda,
leva cinema a crianças
Por Bibiana Maia e Roberta Hoertel
Um litro de óleo usado, se descartado na pia ou no vaso
sanitário, pode poluir uma quantidade de água limpa equivalente a um
caminhão-pipa inteirinho. Mas, na Maré, o que sobra da fritura se transformou
em cinema para as crianças. O projeto Cinema do Beco, criado há um ano e meio
pelo morador Bhega Silva, de 56 anos, é financiado, em parte, com a venda de
óleo de cozinha, recolhido de porta em porta na comunidade.
Crianças recebem pipoca e refrigerante. Endereço muda a cada semana
e é anunciada em carro de som (Foto: Urbano Erbiste/Extra)
— Coloquei na cabeça que ia fazer um cinema. No início, me
chamavam de doido, mas hoje acham lindo — conta Bhega, que também é músico e
trabalha, de bicicleta e alto falante, fazendo propaganda do projeto na
comunidade.
Bhega: preocupação com o meio ambiente remete à sua
infância, na Maré
Foto: Urbano Erbiste/Extra
Determinado, ele passou a recolher o óleo usado pelos moradores
para vender, a R$ 0,80 cada litro, para uma refinaria de Bonsucesso. Cerca de
200 litros foram o suficiente para comprar equipamentos, como a lona para a
projeção.
— Lembrei que o pessoal joga fora o óleo de cozinha e
comecei a fazer a campanha na comunidade. Eu passo de bicicleta, e o pessoal
doa. Ainda divulgo que o óleo entope e atrapalha o saneamento.
A cada semana, a projeção acontece em uma rua diferente, e o
endereço é divulgado por carro de som. Com a popularização, o projeto ganhou
parceiros que doaram projetor e fornecem pipoca e refrigerante para as cerca de
50 crianças que comparecem a cada sessão. Toda quinta-feira, são projetados
filmes e animações que têm como pano de fundo a valorização da natureza, como
“Tainá” e “Rio”, além de vídeos produzidos por Bhega.
Iniciativa conquistou parceiros, que patrocinam parte do
projeto
Foto:
Urbano Holanda/Extra
— Falo sobre dengue, poluição. Não tenho formação de meio
ambiente. Aprendi vendo e ouvindo. Vamos fazendo devagarinho, falando da
importância do planeta.
O interesse pelo tema vem da infância, na Maré. Bhega
lembra-se dos tempos de fartura, em que pescadores doavam peixes pescados na
Praia de Ramos, hoje poluída.
— Minha mãe me mandava buscar peixe, hoje não tem condições.
Prometi que, enquanto estivesse vivo, faria algo pelo planeta, mesmo sendo
trabalho de formiguinha.
Exemplo
Diante do problema dos baixos índices de coleta seletiva nos
municípios do Rio, como o EXTRA mostrou no domingo e na segunda-feira, o
presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj e ex-ministro do Meio
Ambiente, Carlos Minc afirma que há medidas simples e baratas para serem
tomadas e que podem elevar os níveis de reciclagem dos municípios.
— Primeiro, é preciso transferir a responsabilidade da
coleta seletiva para a Secretaria de Meio Ambiente. Na maioria dos municípios
as empresas de limpeza urbana são da Secretaria de Obras. Eles não têm
consciência ambiental e tratam como qualquer outro serviço — explicou.
De acordo com Minc, um dos melhores índices do país está em
Londrina, no Paraná. Desta experiência, que o deputado conheceu de perto, ele
vê outras soluções para o problema do Rio. Uma delas é a parceria dos
municípios com as cooperativas de catadores, viabilizando o trabalho dos
profissionais. A construção de galpões ou ecopontos também é apontada como uma
solução, além da conscientização ambiental.
— A solução é clara e não é cara. Os professores já estão na
escola, os alunos também. Ensinando a garotada, você pega também os pais, tios,
a família toda. As próprias escolas podem se converter em centro de reciclagem
— explica Minc, lembrando que mais de 20 escolas fazem isso no estado do Rio.
Para o deputado, o projeto de Bhega, na Maré, é um exemplo
de que é possível ajudar em todos os níveis de atuação:
— É uma atividade muito bacana, muito bonita. Mostra como é
possível ajudar. Colaborar com o meio ambiente. E como esse esforço, de uma
pessoa, dentro da Maré, teria um resultado muito maior se recebesse um
incentivo, uma pequena kombi, galões.
Texto e imagens reproduzidos do site: extra.globo.com
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