Stanley Kubrick
Os rótulos, os cinéfilos e os que gostam de filmes
Por Marcelo Müller
Rótulos foram feitos para que os usássemos. Como os das
mercadorias, eles servem para promover a identificação dos indivíduos, para
agrupá-los, facilitando assim nossa percepção. Não raro, possuem também lado
pejorativo, aspecto de “parede” que prende sujeitos ou grupos em delimitação
exígua, geralmente sem muita margem para pormenorizações ou análises
singulares. Todos ganham rótulos e os distribuem com a mesma necessidade e, por
mais que tenhamos noção que eles engessam e apequenam nossa percepção, são elementos
inerentes a qualquer configuração social. Temos os nerds, os esportistas, os
baladeiros, as vadias, as santas, etc.
A cinefilia também impõe um rótulo, mas, na busca de um
entendimento maior da significância desta ordenação, tentemos entender com mais
clareza quais são suas facetas. O que é ser cinéfilo? Quem assiste a muitos
filmes, diriam uns. Os que não saem das salas de cinema, diriam outros. Os
assinantes de uma revista da área, que conhecem de cor e salteado os nomes de
atores e técnicos, profeririam outros tantos. São definições muito
particulares, que variam, principalmente, de acordo com o grau de envolvimento
que o dito “cinéfilo” tem com a arte cinematográfica. A mim, definir a genuína
cinefilia passa pela diferenciação entre os que gostam de filmes e os que
gostam de cinema.
Gostar de filmes abarca um monte de coisas, desde a
frequência com que se vai ao cinema, com que se assiste filmes em casa, apego a
gêneros e a certos tipos de narrativa, entre outros. Para quem gosta de filmes,
a audiência comumente é uma atividade de entretenimento, e os filmes são como
interlúdios, ou programas cativos de fim de semana. Gostar de cinema é bem
diferente, e é aí que encaixo o conceito de cinefilia. O apreciador de cinema é
alguém preocupado não somente com a construção fabular do filme, mas também com
a gramática cinematográfica, com a forma da condução narrativa. Além disso é
alguém que vê no cinema sua vocação artística e transformadora, que passeia
livremente pelos gêneros e com curiosidade pela produção global. Gostar de
cinema é enxergá-lo como arte, estudar seus movimentos e variações estéticas.
Ser cinéfilo é gostar de cinema, não apenas de filmes.
Como dito no início, os rótulos criam guetos e embaçam nossa
visão para particularidades, para o que se instaura fora do senso comum. A
cinefilia é uma prática que vem embalada num rótulo, como qualquer outra, e
cabe a quem goste, seja de filmes ou de cinema, adotar ou não a nomenclatura
para definir sua paixão particular. Considero-me cinéfilo por me encaixar na
categoria dos que gostam de cinema e, como dito acima, em minha opinião, uma
coisa está estritamente ligada à outra. Não que os pipoqueiros inveterados ou
fãs de filmes que não se propõem aprofundar nos meandros da arte
cinematográfica sejam impossibilitados de utilizar a alcunha, afinal, repito,
todo este processo de classificação é muito subjetivo, mas sempre é bom
refletir sobre classificações e diferenças pontuais. Esta atenção ao que difere
os membros de um mesmo grupo é fundamental. Caso tenhamos a dita clareza, os
títulos serão benéficos, ao passo que se rotularmos arbitrariamente sem
ponderação, os mesmos serão apenas invólucros descartáveis e sem muita
utilidade, que nunca darão conta da complexidade do conteúdo que embalam.
Texto e imagens reproduzidos do site: papodecinema.com.br
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