Seu Zito
Publicado originalmente no site da Revista Ideias, em 4 de julho de 2017
Zito Alves Cavalcanti
Por José Augusto
Jensen
Zito Alves Cavalcanti nasceu em agosto de 1924 em Curitiba.
Sua primeira lembrança de cinema, levado pelo pai, aos seis anos, era a de
filmes do Rin-Tin-Tin, cão pastor alemão, que encenava um fiel companheiro,
bravo guerreiro, porém vulnerável, e que virou uma celebridade, ainda na década
de 20. Zito não lembrava se latia ou não (se filme mudo ou sonoro), mas que, já
rapazote, chegava ansioso nos domingos, frente ao cine Odeon às 12:20 horas,
para a programação que só começava 14 horas.
Um tio que gostava muito de cinema lhe presenteou com um
projetor Pathè a manivela e lâmpada caseira, e com aguçada curiosidade, foi
descobrindo os segredos da mecânica cinematográfica. Comprava em uma loja, tipo
sebo, mas que tinha de tudo, rolos de filmes em cor sépia, vermelho, verde,
35mm. Chegava em casa, passava aquilo, e depois comprava outro.
Rin Tin Tin e seu criador Lee Duncan
Fez amizade com um rapaz que era projecionista do cine
Broadway, e finalmente chegou à cabine do cinema para ver como era um projetor
de verdade. A partir de então, todo final de tarde, depois da aula, ficava pela
frente do cinema, olhando os cartazes, conversando com amigos. Até que um dia o
Henrique Oliva, que era o dono do cinema, e que ficava sentado numas poltronas
da sala de espera, ao lado do porteiro, olhou para o rapaz e disse: “O guri,
você que está todo dia aí, não quer trabalhar para mim?”. Nesta época
trabalhavam três em uma cabine com dois projetores, o operador, o ajudante, e o
enrolador dos rolos já exibidos, que vinham em partes de dez minutos. O
operador era o responsável pela passagem de um projetor a outro, dando
continuidade ao espetáculo.
Deveria ter uns quinze anos, mas sua carteira de trabalho
está em julho de 1942, depois de completar 18 anos. Ficou nesta empresa até se
aposentar, como responsável técnico e gerente do cine Lido. Pouco antes disso,
abrira a Paracine, com seu filho Dirceu, empresa especializada em equipamentos
cinematográficos e manutenção. Esta empresa mantinha e montava cabines de
projeção em quase todos os cinemas da capital e interior do Paraná. Montaram e
desmontaram mais de cem cinemas, inclusive a Cinemateca e os cinemas da
Fundação Cultural de Curitiba. Ainda, foi dono dos cines Ahú, no bairro Ahú,
Picolino, ao lado da igreja do Cabral, e Dom Pedro II, em Campo Largo. Mas para
muito além de sua capacidade técnica, Zito era um amante da sétima arte.
O primeiro filme que o impressionou foi a extraordinária
produção de 1933, “King Kong”. Direção de Merian C. Cooper com Robert
Armstrong, Fay Wray, música de Max Steiner, efeitos especiais criados por
Willis O’Brien, RKO Pictures, exibido aqui em Curitiba no cine Palácio, onde
mais tarde seria o operador. Amou o filme, o cinema e o gorila, no alto do
Empire State, ao ser baleado, comovendo-o. Mais tarde colocou naquela tela
atores, dramas, comédias e aventuras que fazem funcionar a então chamada usina
de sonhos. Em espetáculos teatrais, foi parceiro de Procópio Ferreira,
Oscarito, entre outros, e exibiu os filmes do mesmo Oscarito, que encantavam
multidões.
King Kong de 1933
Da cabine de projeção, o cinema não estava restrito ao
filme, pois lá de cima, tudo via, ouvia e sentia com as multidões que lotavam
as enormes salas. Dizia que os mocinhos e bandidos, nem sempre estavam na tela.
Muitos filmes o impressionaram, e quando acontecia, voltava ao cinema na sua
folga, e da plateia, sonhava acordado, como dizia que se devia ver um filme.
Aconteceu, por exemplo, quando projetou “A estrada da vida”,
(La strada), com Giuleta Massina, Anthony Quinn, Richard Basehart, direção de
Federico Fellini, produção de 1954. Ficou tocado pela frágil figura de
Gelsomina e pelo drama de dois palhaços sem rumo, em suas palavras. Ou “A montanha dos sete abutres” (The big
carnival), com Kirk Douglas, Jan Sterling, direção de Billy Wilder, Paramount
de 1951, notável drama sobre o jornalismo marrom. Não era um nostálgico, e eu
poderia citar centenas de outros filmes que gostava ou não, contrariando
inclusive a unanimidade de opiniões. Outro feito do Zito, como gerente, foi
acabar com a exigência de que homens só entravam de gravata nos cinemas.
Principalmente os estudantes, entravam com a gravata, e a atiravam aos colegas
de fora, em protesto. Era o início de 60, quando ele começou a permitir a
entrada sem, e a novidade se espalhou.
Em nossas conversas em seu último reduto, na sala de espera
do cine Plaza, em 2005, perguntei, o que o levava a assistir um filme hoje?
Resposta: “Quando há um grande número de espectadores, eu fico curioso, pois
respeito a opinião do público, ou somos todos idiotas. Mas assisto a bem
poucos, às vezes uns dez minutos e já sei no que vai dar, imagino o resto,
formando a minha opinião e construindo o meu filme, como um diretor ausente.
Claro que não assisto a filmes na TV.”
Usando de sua prodigiosa memória, precisão e fino humor,
Zito começou a escrever crônicas no “Almanaque” do jornal O Estado do Paraná,
de 1992 a 2000. A jornalista Adélia Maria Lopes o descobriu com a morte de
Aramis Millarch, quando ele resolveu escrever sobre o amigo. Recria nelas os
bastidores do mundo do cinema e da cidade em fatos pitorescos. Algumas destas
crônicas, foram publicadas no número 20 dos Cadernos do MIS, sob o título “No
giro da manivela” de 1996. Como escreveu Fernando Bini, então diretor do museu:
“Zito Alves descobre e recria com humor, mas também com nostalgia, o mundo
mágico do cinema, utilizando a imaginação de um poeta para revelar esses heróis
do cotidiano, na sua maioria anônimos, como os heróis da vida moderna de
Baudelaire.”
Conversas na sala de espera do cine Plaza
Já lia e se interessava por cinema digital, teorizando sobre
os efeitos da nova tecnologia nas salas. Faleceu em 26 de agosto de 2008.
Foi-se uma grande parte da memória do cinema no Paraná. Perdi um amigo e
consultor, pois muito do que sei devo a nossas memoráveis conversas e
discussões, pois era homem de opiniões fortes. Detestava certos cineastas
brasileiros arrogantes, gênios cujos filmes ninguém via, e que vinham reclamar
do cinema, quando o problema era o filme. Quando discordava, dizia também, que
certos críticos escreviam sem ver o filme. Do que mais tinha saudades era
cinema cheio de crianças vibrando com seus heróis, a maioria os “mocinhos” dos
westerns que amava.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistaideias.com.br




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