1.) A corrente do cinema Liceu. Nos últimos quinze minutos da sessão de um filme, era colocada uma corrente na descida das escadas que dava para a sala de exibição. Porque geralmente chegava mais cedo, ficava sentado na excelente sala de espera, aguardando o início da projeção e ficava a olhar para aquela corrente. Que era aberta somente quando, terminada a sessão anterior, já prestes a começar a seguinte. As pessoas, apinhadas na sala, de repente, aberta a corrente, desciam escadas abaixo para pegar uma poltrona mais em conta.
2.)A cortina sebosa do cinema Aliança. Situado na Baixa dos Sapateiros, o citado cinema era um autêntico 'poeira': cadeiras de madeira, ar renovado que proporcionava intenso calor, cheiro de urina insuportável, mas que, na ânsia de ver filmes, os cinéfilos aguentavam para sentir a magia dos espetáculos cinematográficos. Mas no Aliança havia, para se entrar, que se adentrar por uma cortina extremamente sebosa, que deixava na roupa o seu odor repugnante. Havia de se ter de driblar a cortina para não se 'contaminar' com o seu contato. Mas era tarefa impossível. Por mais que se tentasse, sempre ficava na roupa do cinéfilo, impregnado, o cheiro de suas sujeiras. Sacrifício monumental.
3.)Em torno de 1964, o cinema Pax, também situado na Baixa dos Sapateiros, estava lotado numa sessão dominical pela tarde. Era perto das festividades do São João. O Pax lotado significava que havia gente saindo pelo ladrão, e o cinema era enorme: uma platéia e dois balcões. De repente, uma casa de venda de fogos explodiu nas circunvizinhanças da sala exibidora e os espectadores pensaram que era o Pax que estava a explodir. Pânico geral. Algumas pessoas morreram pisoteadas. Uma verdadeira tragédia. Semana depois, indo ao Pax, vi manchas de sangue no chão de ladrilhos. Nesta sala, entrava-se 'pela tela' ao contrário dos outros cinemas. Fiquei, por um bom tempo, com 'medo' do Pax, ainda que continuasse a frequentá-lo todas as semanas.
4.)Salvador era uma beleza: calma e provinciana. Andava-se muito e se chamava o andar de 'paletar'. Frequentei muito os cinemas Brasil e São Jorge, que eram situados no Bairro da Liberdade (a famosa rua Lima e Silva). Cinemas de segunda classe, mas tinham programas duplos, quando não triplos, e o ingresso era baratíssimo. O povo, naquela época, ia muito ao cinema, ao contrário dos dias atuais quando ir ao cinema se constitui um lazer da elite, considerando os preços astronômicos. Um ingresso para uma sala dos complexos (Multiplex ou Cinemark) é mais caro do que o ingresso para o melhor cinema de Nova York.
5.)Certa ocasião, no São Jorge, o exibidor resolveu passar filmes pornográficos na sessão de meia-noite. Depois de duas semanas, a polícia promoveu uma intervenção, proibindo as exibições. Pouco tempo passou e Walter da Silveira, do Clube de Cinema da Bahia, combinou com o exibidor Francisco Pithon a realização de sessões à meia-noite de filmes de arte. As pessoas, ainda surpreendidas com o noticiário em torno das sessões do São Jorge, pensaram que os filmes programados fossem pornográficos. Mas qual nada! O túmulo do sol, película de origem japonesa, poética, nada tinha de pornográfica. Muito pelo contrário. Walter surpreendeu-se pelas filas que se formavam desde as 23 horas, pois nunca pensaria num público tão imenso para ver filmes ‘de arte’. Cinema lotado, começada a sessão, mal tinha passado meia hora, quando os espectadores começaram a perceber que não se tratava da ‘putaria’ querida. E quebraram todas as cadeiras do Guarany. Pithon encerrou as exibições. Foi a única experiência nesse sentido.
6.) Anos se passaram e a sessão de meia-noite foi instituída com êxito no cinema Bahia, à Rua Carlos Gomes. Os filmes programados eram os que seriam lançados semanas depois. Lembro-me de ter assistido Morte em Veneza, de Luchino Visconti, numa dessas sessões. Depois se tinha o hábito de ir ao Rose’s, bem em frente à sala exibidora, que inaugurava na Bahia a venda de cheesburgueres. Quem se lembra do Rose’s da Rua Carlos Gomes?
Setaro, o prazer de ir ao cinema na nossa época era tão grande, que não esquecemos os menores detalhes. Lembro que eu chegava ao Cine Palace, aqui de Aracaju, bem antes da sessão começar, para ficar sentado olhando a grande tela cinemascope - já visível por motivo da cortina motorizada estar quebrada - iluminada pelas luzes brancas do pequeno palco e ouvindo música orquestrada. Era um tempo que se curtia cada detalhe de uma sessão de cinema. Um abraço e muito obrigado pelo comentário/memória. Armando.
2 comentários:
1.) A corrente do cinema Liceu. Nos últimos quinze minutos da sessão de um filme, era colocada uma corrente na descida das escadas que dava para a sala de exibição. Porque geralmente chegava mais cedo, ficava sentado na excelente sala de espera, aguardando o início da projeção e ficava a olhar para aquela corrente. Que era aberta somente quando, terminada a sessão anterior, já prestes a começar a seguinte. As pessoas, apinhadas na sala, de repente, aberta a corrente, desciam escadas abaixo para pegar uma poltrona mais em conta.
2.)A cortina sebosa do cinema Aliança. Situado na Baixa dos Sapateiros, o citado cinema era um autêntico 'poeira': cadeiras de madeira, ar renovado que proporcionava intenso calor, cheiro de urina insuportável, mas que, na ânsia de ver filmes, os cinéfilos aguentavam para sentir a magia dos espetáculos cinematográficos. Mas no Aliança havia, para se entrar, que se adentrar por uma cortina extremamente sebosa, que deixava na roupa o seu odor repugnante. Havia de se ter de driblar a cortina para não se 'contaminar' com o seu contato. Mas era tarefa impossível. Por mais que se tentasse, sempre ficava na roupa do cinéfilo, impregnado, o cheiro de suas sujeiras. Sacrifício monumental.
3.)Em torno de 1964, o cinema Pax, também situado na Baixa dos Sapateiros, estava lotado numa sessão dominical pela tarde. Era perto das festividades do São João. O Pax lotado significava que havia gente saindo pelo ladrão, e o cinema era enorme: uma platéia e dois balcões. De repente, uma casa de venda de fogos explodiu nas circunvizinhanças da sala exibidora e os espectadores pensaram que era o Pax que estava a explodir. Pânico geral. Algumas pessoas morreram pisoteadas. Uma verdadeira tragédia. Semana depois, indo ao Pax, vi manchas de sangue no chão de ladrilhos. Nesta sala, entrava-se 'pela tela' ao contrário dos outros cinemas. Fiquei, por um bom tempo, com 'medo' do Pax, ainda que continuasse a frequentá-lo todas as semanas.
4.)Salvador era uma beleza: calma e provinciana. Andava-se muito e se chamava o andar de 'paletar'. Frequentei muito os cinemas Brasil e São Jorge, que eram situados no Bairro da Liberdade (a famosa rua Lima e Silva). Cinemas de segunda classe, mas tinham programas duplos, quando não triplos, e o ingresso era baratíssimo. O povo, naquela época, ia muito ao cinema, ao contrário dos dias atuais quando ir ao cinema se constitui um lazer da elite, considerando os preços astronômicos. Um ingresso para uma sala dos complexos (Multiplex ou Cinemark) é mais caro do que o ingresso para o melhor cinema de Nova York.
5.)Certa ocasião, no São Jorge, o exibidor resolveu passar filmes pornográficos na sessão de meia-noite. Depois de duas semanas, a polícia promoveu uma intervenção, proibindo as exibições. Pouco tempo passou e Walter da Silveira, do Clube de Cinema da Bahia, combinou com o exibidor Francisco Pithon a realização de sessões à meia-noite de filmes de arte. As pessoas, ainda surpreendidas com o noticiário em torno das sessões do São Jorge, pensaram que os filmes programados fossem pornográficos. Mas qual nada! O túmulo do sol, película de origem japonesa, poética, nada tinha de pornográfica. Muito pelo contrário. Walter surpreendeu-se pelas filas que se formavam desde as 23 horas, pois nunca pensaria num público tão imenso para ver filmes ‘de arte’. Cinema lotado, começada a sessão, mal tinha passado meia hora, quando os espectadores começaram a perceber que não se tratava da ‘putaria’ querida. E quebraram todas as cadeiras do Guarany. Pithon encerrou as exibições. Foi a única experiência nesse sentido.
6.) Anos se passaram e a sessão de meia-noite foi instituída com êxito no cinema Bahia, à Rua Carlos Gomes. Os filmes programados eram os que seriam lançados semanas depois. Lembro-me de ter assistido Morte em Veneza, de Luchino Visconti, numa dessas sessões. Depois se tinha o hábito de ir ao Rose’s, bem em frente à sala exibidora, que inaugurava na Bahia a venda de cheesburgueres. Quem se lembra do Rose’s da Rua Carlos Gomes?
Setaro, o prazer de ir ao cinema na nossa época era tão grande, que não esquecemos os menores detalhes. Lembro que eu chegava ao Cine Palace, aqui de Aracaju, bem antes da sessão começar, para ficar sentado olhando a grande tela cinemascope - já visível por motivo da cortina motorizada estar quebrada - iluminada pelas luzes brancas do pequeno palco e ouvindo música orquestrada. Era um tempo que se curtia cada detalhe de uma sessão de cinema. Um abraço e muito obrigado pelo comentário/memória. Armando.
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