Publicado originalmente no site da Revista Ideias, em 5 de outubro de 2016
Os cinejornais
Por José Augusto Jensen
Antes do advento da televisão, um público curioso para
assistir a cenas políticas, sociais ou esportivas, de que só tinha lido, visto
fotos ou ouvido no rádio, fez surgir o complemento nacional como parte inicial
das sessões cinematográficas. Obrigatório a partir do Estado Novo de Getúlio
nos anos 40, estendeu-se até o início dos anos 80, produzidos semanalmente. A
lei estipulava um percentual da renda da sessão cinematográfica (5%) para
pagamento destes, ou fazendo parte de pacotes, ou já pagos pela publicidade, na
maioria das vezes oficial, contida no documentário. Com duração de 10 minutos
aproximadamente, reportagens normalmente sem som direto e narradas tornaram-se
registros históricos. Por meio deles podemos saber dos costumes da população,
da evolução urbana das cidades, das ideias de progresso de então, conhecer as
figuras políticas, das artes, e tantos outros assuntos. Alguns ficaram famosos
como o “Canal 100” produzido por Carlos Niemayer, narrado pelo Cid Moreira e
que tinha, na última parte, lances e jogadas de partidas de futebol, com música
do conjunto de Waldir Calmon, ouvida até hoje em alguns programas de rádio e
televisão sobre o esporte, virou um símbolo. Algumas pessoas iam ao cinema mais
pelo jornal, principalmente os aficionados por algum time, jogo famoso ou
reportagem de destaque. Também “Atualidades Atlântida”, narradas pela voz
inconfundível de Heron Domingues, locutor conhecido como “Repórter Esso” no
rádio. Claro que, conforme a cidade e o cinema, as reportagens eram exibidas
meses depois. Mesmo com o atraso, todos queriam ver Martha Rocha vencendo o
concurso Miss Brasil em 1954, ou jogadas do Pelé, Garrincha, alguma partida de
Copa, ou campeonato importante. Incluíam reportagens internacionais, batalhas
durante a segunda guerra, a invasão da Tchecoslováquia, casamentos da realeza
europeia. Alguns tão chatos e desinteressantes, como os do produtor paulista
Primo Carbonari, que eram sempre vaiados já na sua apresentação e aplaudidos,
como protesto, no fim.
Em Curitiba também tivemos alguns produtores que exibiam
seus cinejornais pelo Paraná. Eugênio de Felix, nascido na Áustria em 1907,
aqui apelidado de “alemão”, instalou o primeiro estúdio de som em Curitiba, na
década de 40. Criou a Companhia Cinematográfica Paranaense. Recebeu a
incumbência de filmar a posse de Moisés Lupion como governador, em 1947. Este
episódio me foi narrado pelo Zito Alves Cavalcanti, testemunha participante,
que reproduzo aqui.
“O Eugênio, simpático
austríaco com sua filmadora ‘Bolex’ 35mm, e o primeiro a ter um cinejornal aqui
já em 39, me convidou para ajudá-lo na filmagem da posse. Normalmente, estes
documentários eram imagens narradas, mas para este quiseram com som direto. O
Paraná veria seu primeiro governador eleito tomar posse, depois de longo
período, aos primeiros dias de março de 47. Na época não havia gravador de fita
por aqui, e o registro sonoro teria que ser feito em película com trilha só de
som, equipamento pesado, sensível e de difícil manejo. Depois na copiagem, eram
sobrepostas a película com a imagem e a de som sincronizadas. Para tal o
Eugênio mandou construir uma cabine isolante para a gravação sonora, ao fundo
da sala da assembleia, com o microfone na mesa da cerimônia, e a fiação fixada
ao chão. Testes sem fim, chegou o grande dia, eu a postos na cabine, e o
Eugênio nos seus quase cem quilos, suando, se desdobrava nas filmagens da
apoteótica chegada do cortejo na rua Barão do Rio Branco. Na sala, a entrada do
Governador e a multidão de autoridades, políticos e puxa-sacos. Eu liguei o
equipamento e, com satisfação, vi a agulha do medidor oscilando a indicar o
registro sonoro. Início do discurso, a agulha parou, caiu a zero! Cerimônia
finda, descobrimos que o pisar dos afoitos rompera o cabo do microfone. Lupion
acedeu a ir ao estúdio do Eugênio dias depois. O carro com o governador, sete
da manhã, chegando na casa do Eugênio, modesta, de madeira, no bairro
Bacacheri, foi um sucesso na vizinhança, saindo para o trabalho naquela hora. O
senhor calvo de casaca e gravata plastrão, vestido como na posse. Como o fundo
da assembleia era branco, ele pintou um fundo branco no estúdio improvisado, o
crucifixo pendurado e o Moisés Lupion foi filmado “ao vivo” novamente, alguns
dias depois, fazendo o discurso. Uma vizinha distraida perguntou depois ao
Eugênio: Quem era aquele careca vestido de palhaço, entrando na tua casa? (Nada
desrespeitoso da vizinha, pois a cidade vivia cheia de circos e os mestres de
cerimônia contracenavam no picadeiro com palhaços, em trajes parecidos). O
filme foi exibido em todo o Paraná com sucesso, poucos notaram que a imagem era
bem menor. Eugênio de Felix faleceu em 1969, registrou trinta anos de Curitiba
e Paraná.”
Nos anos 50, Eugênio se tornou temido, com sua câmera
flagrando foliões nos famosos bailes carnavalescos na Sociedade Operário.
Consta que um cliente não pagou o combinado pelo seu trabalho de cinegrafista.
Sabendo que o referido era dado a se divertir nestes bailes chamados dos
“enxutos”, filmou o cidadão no auge da folia. Lançado o cinejornal no cine
Ópera, o cliente quase teve um enfarte. Implorou ao Felix que retirasse as
cenas em exibição prometendo saldar o débito. Foram retiradas, mas como não
houve o pagamento, as cenas voltaram, com setas indicando o cidadão.
Outras produtoras como a Flamma, a Flag, atuaram durante
muitos anos, sendo depois adquiridas, com seus acervos, pela Guaíra Produções
Cinematográficas de Júlio Krieguer, surgida em 1963, e que tinha a sua
“Atualidades Guaíra”. Como tantos outros, recebiam dinheiro do governo do
Estado para filmar suas realizações, tornando os cinejornais muito lucrativos.
Documentaram diversas fases da vida política do Paraná, agroindústria,
comércio, cultura, artes e comportamento tendo, no caso do Júlio, o mérito de
ter preservado estes filmes. Ao que eu saiba, ele quer vendê-los, fez propostas
e os sucessivos governos esperam a doação, quando muito. Consta deste acervo a
comemoração do centenário do Paraná em 1953, imagens dos governos Manoel Ribas,
Lupion, Bento Munhoz, Ney Braga, Paulo Pimentel e subsequentes.
Além do precioso acervo da Guaíra, onde estará o que resta
de tão importante documentação da nossa memória? A Cinemateca possui alguns
fragmentos disso tudo, mas deve haver muito mais.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistaideias.com.br
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